segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O português em Macau

Um cérebro, duas línguas

21 / FEVEREIRO / 2012 - por Inês Santinhos Gonçalves

Que língua é a nossa? A que falam os nossos pais ou a do país onde vivemos? Pertence-nos mais uma que as outras? Em Macau multiplicam-se os bilingues e tudo indica que isso é bom: para a RAEM e para o cérebro de quem cá mora. Hoje é o Dia Internacional da Língua Materna.
Amélia Pan nunca saiu da China. Não tem família portuguesa e os primeiros amigos lusófonos surgiram só em 2007, quando começou a estudar a língua. De Qingdao, terra natal, foi para a Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim. No ano passado chegou a Macau e, apenas cinco anos depois de aprender as primeiras palavras em português, a jovem de 23 anos tornou-se tradutora do Tribunal de Última Instância.
O facto de ter aprendido a língua em idade adulta faz com que Amélia não possa ser considerada bilingue. No entanto, não se pode dizer que não tenha compensado o tempo perdido: além de ter vários amigos portugueses com quem mantém uma conversa fluente e animada, a tradutora conhece a maioria das expressões idiomáticas e ditados populares, é fã dos Deolinda e domina mais linguagem jurídica que a generalidade da população lusófona. E como se não bastasse, frequenta o mestrado em Língua e Cultura Portuguesa na Universidade de Macau.
Além do mandarim e do português, Amélia fala ainda inglês e, desde que chegou ao território, tem vindo a melhorar significativamente o seu cantonês. Desde que as línguas tomaram um lugar central na sua vida, admite sentir maior destreza mental e memória mais aguçada, mas, confessa, também “o dobro do cansaço” ao fim de um dia embrenhada em tradução de linguagem jurídica, com a qual sente ainda não ter suficiente familiaridade.
O à-vontade com o idioma não surgiu sem esforço. Começaram por ser mais de 20 horas semanais de português na universidade, com aulas de leitura extensiva e laboratórios linguísticos. “No início achei muito difícil porque as duas línguas são muito distantes”, conta.
Sendo que o pensamento é estruturado pela linguagem, a passagem de um modelo chinês para um de matriz latina pode gerar dificuldades. Apesar de a gramática chinesa ser relativamente fácil, o sistema de escrita é logográfico, ou seja, os grafemas (sílabas) são logogramas (símbolos) que denotam palavras ou morfemas (unidades gramaticais). Os logogramas não transcrevem os sons da fala, mas significados, e cada grafema pode ser pronunciado de uma forma completamente diferente de acordo com o dialecto.
Amélia simplifica a explicação: “Em chinês não temos muitas orações nem frases complexas. Às vezes tenho a sensação que os portugueses falam ao contrário. Por exemplo, ‘quem é ela?’. Em chinês, se fizer uma tradução literal, seria ‘ela é quem?’.
Estes desafios parecem, no entanto, ter sido ultrapassados e a tradutora conta como agora pensa “em duas línguas simultaneamente”. “Às vezes quando estou a falar com uma pessoa, seja em chinês, seja em português, inconscientemente penso nas duas línguas. Por vezes penso que tenho sono e faço-o em português”, revela.
Casimiro Pinto, tradutor e intérprete há mais de 20 anos, cresceu bilingue mas até começar a estudar para a profissão não conhecia “nem um caracter de cantonês”. Hoje trabalha para o Comissariado Contra a Corrupção.
Casimiro reforça a ideia de Amélia: “É tudo trocado, o sujeito e o predicado. A grande dificuldade na tradução simultânea tem que ver com isso, com as ordens gramaticais. Muitas vezes tem de se começar pelo fim. Por exemplo, ‘onde vais?’ em cantonês é ‘vais para onde?’.
“Sinto, na minha própria experiência, que realmente há uma vantagem, uma reacção mais imediata. Estou há muitos anos na interpretação simultânea. A tradução pode ser feita com calma, mas o simultâneo tem de ser logo, isso realmente ajuda uma pessoa a raciocinar com mais rapidez”, descreve.
Cérebro eficiente
A memória, rapidez de raciocínio e capacidade de multitasking que Amélia e Casimiro descrevem não são fruto do acaso. Elle Bialystok, especialista em neurociência cognitiva, investiga os efeitos do bilinguismo há cerca de 40 anos. Em 2010, a pesquisa valeu-lhe um prémio de 100 mil dólares, ao vencer o Killam Prize. A sua tese é a de que os bilingues têm maior capacidade de separar o joio do trigo no que toca a informação.
“Se usar regularmente duas línguas, o sistema cerebral funciona de tal forma que, de cada vez que fala, os dois idiomas surgem e o sistema de controlo executivo tem de analisar tudo e seleccionar o que é mais relevante para o momento. Os bilingues usam mais o sistema e é esse uso regular que torna os seus sistemas mais eficientes”, explicou Bialystok numa entrevista ao New York Times.
A cientista verificou que os bilingues são melhores a executar várias tarefas ao mesmo tempo e até nos testes não-verbais se destacam em relação aos falantes de uma só língua. O cérebro, explica na mesma entrevista, assume um funcionamento diferente. E se margem houvesse para dúvidas, Bialystok afirma: “O bilinguismo faz bem. Torna o cérebro mais forte. É exercício para o cérebro” – mesmo quando a segunda língua não é aprendida na infância, desde que seja utilizada de forma muito regular.
Além destas vantagens ao nível da saúde, a investigadora salienta que aprender línguas é, acima de tudo, importante porque “ajuda-nos a compreender o outro, outras culturas, outras formas de pensar”.
Amélia concorda. Em Macau a generalidade dos portugueses fala inglês, mas a tradutora acredita que o facto de falar português conta a seu favor na altura de fazer amigos: “Para desenvolver uma amizade precisamos de ter o coração aberto. Se precisamos de comunicar numa língua que não é a nossa, temos de fazer um esforço e muitas pessoas não se dão ao trabalho de fazer isso”.
A língua, salienta, “também é cultura” e serve para perceber “a mentalidade dos portugueses”. Que mentalidade é essa? A jovem ri-se: “Simpáticos, abertos e, peço imensa desculpa, por vezes preguiçosos. Sentem que a vida deve ser desfrutada. Nós, os chineses, temos uma noção clara de que para chegar à felicidade precisamos de fazer um imenso sacrifício”.
O Alzheimer chega mais tarde
A grande descoberta de Elle Bialystok durante a sua pesquisa sobre os benefícios do bilinguismo foi a de que este atrasa significativamente os sintomas do Alzheimer. De acordo com testes feitos em 400 pessoas com a doença neurológica, a patologia surge cinco a seis anos mais tarde em quem assume como sua mais de uma língua. Ao comparar o cérebro de doentes com exactamente os mesmos sinais de danos cognitivos, Bialystok verificou que os bilingues tinham danos muito mais vastos, ou seja, a doença tinha progredido mais, mas os idosos demonstravam maior capacidade de lidar com ela.
Macaenses mais longe do português
Não se sabe ao certo quantos bilingues ou trilingues existem em Macau, mas Casimiro Pinto sente que o número tem vindo a aumentar. Nota, no entanto, uma tendência curiosa: os macaenses, tradicionalmente próximos do português, estão a colocar os filhos em escolas inglesas, enquanto os chineses do Continente insistem na aprendizagem do português. “Não podemos deixar, daqui a uma geração ou duas vamos perder a capacidade de domínio da nossa própria língua”, diz o macaense. Ainda assim, o tradutor acredita que o Governo está a conseguir passar eficazmente a mensagem de que o bilinguismo é a grande vantagem de Macau, por permitir que o território funcione como plataforma entre a China e os países lusófonos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Marchinhas de Carnaval

SÃO PAULO - Você conhece alguma marchinha de Carnaval? Elas podem até ter caído no esquecimento, mas antigamente ocupavam o lugar do atual samba enredo.
Com letras divertidas e refrões fáceis de decorar, elas fizeram a alegria de muitos foliões. Surpreenda-se ao descobrir quantas letras você conhece.
Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Eu sou da lira não posso negar
Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Rosa de ouro é que vai ganhar
Rosa de ouro é que vai ganhar
Essa foi a primeira marchinha da história do Carnaval brasileiro e animou os bailes cariocas por três anos consecutivos. Foi composta por Chiquinha Gonzaga para o cordão carnavalesco Rosas de Ouro. Vale lembrar que Chiquinha foi a primeira mulher a tocar em uma orquestra brasileira. Ela foi retratada na telinha pela atriz Regina Duarte (foto acima), em minissérie que levou o mesmo nome da compositora.

A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás!
A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás!
Ele tentou mais uma empinadinha
A pipa não deu nenhuma subidinha
Ele tentou mais uma empinadinha
A pipa não deu nenhuma subidinha
A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás!
Esta foi composta por Manoel Ferreira e Ruth Amaral na década de 80. Muita gente credita “A Pipa do Vovô” a Sílvio Santos. Mas na verdade ele é responsável apenas por popularizar a marchinha em sua voz.
Maria Sapatão
Sapatão, Sapatão
De dia é Maria
De noite é João
O sapatão está na moda
O mundo aplaudiu
É um barato
É um sucesso
Dentro e fora do Brasil
Quem nunca ouviu ao menos o refrão desta marchinha? Ela foi popularizada pela voz do eterno Chacrinha. Foi composta por ele na companhia de João Roberto Kelly, em 1950.

Chiquita bacana lá da Martinica
Se veste com uma casca de banana nanica
Não usa vestido, não usa calção
Inverno pra ela é pleno verão
Existencialista com toda razão
Só faz o que manda o seu coração
Foi sensação em vários Carnavais. Composta por Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha, em 1948, esta marchinha inspirou os versos de “A Filha da Chiquita Bacana”, música de Caetano Veloso.

O teu cabelo não nega mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega mulata
Mulata eu quero o teu amor
Tens um sabor bem do Brasil
Tens a alma cor de anil
Mulata mulatinha meu amor
Fui nomeado teu tenente interventor
Quem te inventou meu pancadão
Teve uma consagração
A lua te invejando faz careta
Porque mulata tu não és deste planeta
Quando meu bem vieste a terra
Portugal declarou guerra
À concorrência então foi colossal
Vasco da Gama contra o batalhão naval
Foi a sensação do Carnaval de 1932 e explodiu nas Avenidas. A letra original foi criada pela dupla pernambucana João e Raul Valença, mas o toque carioca veio de Lamartine Babo, que fez da música uma excepcional homenagem para a mulher negra brasileira. Uma curiosidade é que na época da ditadura as letras de Lamartine foram censuradas pelo Estado Novo de Getúlio Vargas.

"Aurora
Se você fosse sincera
Ô Aurora
Veja só que bom que era
Ô Aurora 
Um lindo apartamento
Com porteiro e elevador
E ar refrigerado
Para os dias de calor
Madame antes do nome
Você teria agora
Ô Aurora
Acredite. Esta marchinha foi criada em apenas um dia, porém, ganhou os Carnavais da época e ainda permanece viva em muitas memórias. Foi composta em uma quarta-feira de cinzas, por Mario Lago e Roberto Roberti, em 1941.

Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar!
Dá a chupeta, dá a chupeta, ai, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebê não chorar!
Dorme filhinho do meu coração
Pega a mamadeira em vem entra no meu cordão
Eu tenho uma irmã que se chama Ana
De piscar o olho já ficou sem a pestana
Eu olho as pequenas, mas daquele jeito
E tenho muita pena não ser criança de peito
Eu tenho uma irmã que é fenomenal
Ela é da bossa e o marido é um boçal
Foi gravada em 1937, mas só ficou conhecida em 1941, após ser regravada pela diva Carmem Miranda. A composição é de Jararaca e Vicente Paiva. Vale lembrar que ao ser que levada por Carmem Miranda aos Estados Unidos, esta marchinha chegou a ser gravada por Bill Crosby, que até hoje é considerado um dos maiores cantores populares do século XX.
Yes, nós temos bananas
Bananas pra dar e vender
Banana menina tem vitamina
Banana engorda e faz crescer
Vai para a França o café, pois é
Para o Japão o algodão, pois não
Pro mundo inteiro, homem ou mulher
A música original nasceu da contraditória frase "Yes, we have no bananas", pronunciada por um grego sem a menor familiaridade com o inglês. Quinze anos mais tarde, os compositores Braguinha e Alberto Ribeiro fizeram a marchinha carnavalesca "Yes, Nós Temos Bananas”, como uma sátira aos próprios americanos. Uma forma super divertida de mostrar que “nada se cria, tudo se copia”.
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é
Será que ele é
Será que ele é bossa nova
Será que ele é Mané
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Esta aqui nasceu como uma sátira aos homens que usavam cabelo comprido na década de 60. Nesta época o estilo ainda não havia sido muito bem aceito e a letra de João Roberto Kelly transformou a nova moda em diversão.
Ei, você aí!
Me dá um dinheiro aí!
Me dá um dinheiro aí! 
Não vai dar?
Não vai dar não?
Você vai ver a grande confusão
Que eu vou fazer bebendo até cair
Me dá me dá me dá, ô!
Me dá um dinheiro aí!
Esta dispensa comentários, pois vira e mexe, seu refrão reaparece em alguma brincadeira. A marchinha se tornou um hino no Carnaval de 1960 e foi popularizada na voz de Moacir Franco. Foi composta por Ivan, Homero e Glauco Ferreira, em 1959.
As águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo mão na saca saca saca rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolar
Se a polícia por isso me prender
Mas na última hora me soltar
Eu pego o saca saca saca rolha
Ninguém me agarra ninguém me agarra
Esta aqui ganhou as ruas no Carnaval de 1954 e conquistou o prêmio do concurso de músicas carnavalescas. A curiosidade está no nome casal Zé da Zilda e Zilda do Zé, que compuseram a música em parceria com Waldir Machado. Com um nome assim, só podia dar samba, não é? 

Sassassaricando
Todo mundo leva a vida no arame
Sassassaricando
A viúva o brotinho e a madame
O velho na porta da Colombo
É um assombro
Sassaricando
Quem não tem seu sassarico
Sassarica mesmo só
Porque sem sassaricar
Esta letra é um marco entre as marchinhas e foi composta para uma peça de teatro em 1952. A música surpreendeu de tal forma, que mudou o nome da peça de “Jabaculê de Penacho”, para “Eu Quero Sassaricar”. A coisa ficou tão boa que virou até novela. Em 1988, a Globo exibiu uma adaptação da peça “Sassaricando” para a TV, que contou com a participação da atriz Claudia Raia. E a marchinha, é claro, foi música tema da novela. Foi regravada por ninguém menos que Rita Lee. 
Cidade Maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa
Coração do meu Brasil
Cidade Maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa
Coração do meu Brasil
Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n'alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Jardim florido de amor e saudade
Esta “princesa” entre as marchinhas foi composta por André Filho, em 1935, e após 30 anos foi escolhida como hino oficial do Rio de Janeiro. É quase um clássico da música popular brasileira. Esta marchinha é tradicionalmente tocada no fim dos bailes carnavalescos para anunciar que a festa está próxima de acabar. 
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
Pode me faltar tudo na vida
Arroz feijão e pão
Pode me faltar manteiga
E tudo mais não faz falta não
Pode me faltar o amor
Há, há, há, há!
Isto até acho graça
Só não quero que me falte
A danada da cachaça
Você é um daqueles foliões que fazem de tudo um bom motivo para levantar o copo? Eis aqui a marchinha que lhe dedicamos neste Carnaval. Composta por Mirabeau Pinheiro esta letra foi sucesso no Carnaval de 1953. Não se pode negar que ela é um verdadeiro melô para os beberrões de plantão. E se fosse escrita nos dias de hoje teria o bordão: “Se beber não dirija”.