segunda-feira, 25 de junho de 2012

Os desafios do Brasil para sediar a Copa de 2014

Desafio do Brasil: formar profissionais em idiomas

24/06/2012 14:56

Formar profissionais em idiomas estrangeiros para atender grandes eventos é desafio do país


Formar profissionais que dominem idiomas estrangeiros – especialmente o inglês – para atender a turistas, empresários, jornalistas, esportistas e representantes de delegações internacionais durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 é um desafio. Não há dados oficiais disponíveis que confirmem o déficit de pessoas que falem inglês no Brasil, mas os próprios estrangeiros no país confirmam que têm certa dificuldade para se comunicar.

De acordo com a pesquisadora em aprendizado e bilinguismo Nara Vidal, a inexistência de levantamentos ou bibliografia sobre o tema indica o atraso em debater a questão de forma ampla. “É extremamente difícil encontrar dados. Fontes informais indicam que apenas 10% da população brasileira falam inglês. E essa informação é bastante problemática e difícil de analisar, porque falar inglês é um conceito complexo. Há aqueles que sabem um pouco, sabem muito, são fluentes. Enfim, 5%, 10% ou 30%, seja o que for, não temos nem metade da população brasileira falando inglês”, informou Nara.


A Agência Brasil falou com a enfermeira canadense Celine Purcell, 28 anos, em visita ao Brasil pela segunda vez, sobre a sua percepção da qualidade do inglês quando um estrangeiro é recebido no país. Para ela, é possível entender os brasileiros e se comunicar de forma simples. Celine explicou, no entanto, que não sente segurança para resolver problemas mais complexos, que poderiam envolver a necessidade de vocabulário mais avançado e fluência.
“Pedir uma refeição ou pegar um táxi não é problema. Ainda não passei por grandes dificuldades aqui, mas acredito que se precisasse comprar um remédio, explicar um sintoma no hospital ou me envolvesse em algum problema com a polícia, não conseguiria ser compreendida ou compreender de forma satisfatória”, disse.

Ao perceber a necessidade de os funcionários se comunicarem melhor para incrementar os negócios, Malu Farkuh, dona de uma lanchonete no Mercado Municipal de São Paulo, permitiu que três atendentes cursassem aulas de inglês pelo Programa É a Língua Que Nos Une, da prefeitura da cidade, em parceria com a São Paulo Turismo (SPTuris) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Elas não saíram falando inglês fluente, mas conseguem se comunicar com os clientes de fora e tem sido positivo. Inclusive, agora vão fazer o curso de espanhol”, disse Malu.

A funcionária dela, Maria de Lourdes Bezerra, 52 anos, se formou em abril pelo programa e foi oradora da turma de 13 alunos. Segundo Maria de Lourdes, falando inglês, as vendas aumentam e a satisfação dos clientes também. "Agora, posso oferecer mais coisas, antes a gente só ficava apontando. A partir do momento em que a gente fala inglês, muda o tratamento dos clientes em relação à gente. Se eles queriam comer uma coisa, já comem duas, querem experimentar e ficam curiosos”, explicou. Lourdes teve 40 aulas, de nível básico e instrumental, com foco em situações específicas do cotidiano do trabalho.

O mesmo fez a taxista Débora Boltolozi, 34 anos, que participou do Taxista Nota 10, que teve até o início deste ano mais de 11,3 mil inscritos. O curso de idiomas, oferecido gratuitamente pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), em parceria com o Serviço Social do Transporte (Sest), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), é feito a distância para facilitar o acesso dos taxistas. As aulas são em CDs, com apostilas específicas.

“Fizemos eu, meu marido, minha irmã e meu cunhado. Dá uma base boa porque é dirigido à profissão. Foram três meses de curso, então dá pra ir se virando. Com o tempo, vou me soltando. O que vale é a prática”, explicou Débora.

“Esses profissionais são os responsáveis por dar as boas-vindas a quem chega nas cidades e precisam estar preparados para isso. Nossa expectativa é que eles estejam cada vez mais preparados para gerenciar seus negócios e se tornarem um autêntico cartão de visita das cidades brasileiras, não só durante os grandes eventos, mas em todas as ocasiões em que o Brasil recebe turistas”, disse à Agência Brasil o presidente da CNT e do Sest-Senat, senador Clésio Andrade (PMDB-MG).

O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), em parceria com o Ministério do Turismo (MTur), também oferece oito cursos de idiomas – inglês, espanhol e Língua Brasileira de Sinais (Libras) –, com mais de 7,9 mil vagas nos estados-sede da Copa do Mundo (Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo). No Rio e em São Paulo, já há turmas formadas.

Esses cursos estão no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), especificamente do Pronatec/Copa, criado em 2001. As aulas são gratuitas e as inscrições para o segundo semestre deste ano podem ser feitas pela internet. De acordo com o Mtur, a prioridade é dada às  cidades-sede da Copa das Confederações, em 2013. Os cursos são gratuitos e presenciais.

“Muito se fala em inclusão social. Inclusão social é não privar o aluno de baixa renda de se inserir no mercado de trabalho e nas relações sociais por causa da língua, ou da falta dela. Inglês é a completa inclusão social. Ainda é um privilégio de poucos, considerado elitista, o que não pode ser. O inglês precisa ser ferramenta disponível a todos, desde cedo, para a melhor formação profissional do cidadão brasileiro”, disse Nara Vidal.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

A imigração sírio-libanesa no Brasil

PATRÍCIOS

Dinheiro, diploma e voto:
a saga da imigração árabe

Os primeiros imigrantes libaneses e sírios
queriam fazer fortuna e voltar. Ficaram,
trabalharam duro, investiram na educação
dos filhos. Criaram gerações de doutores
e uma tradição de participação na política                        



Fonte: Veja on-line
Flávia Varella

Salim, Ibrahim, Fuad, Abrahão, Jamil, Nagib, Habib, Tufik, Salomão, Chafic. Na vida de quase todo brasileiro "da gema" há um brasileiro com um nome assim – "turco", como se diz até hoje, mais por hábito do que por preconceito. Tem o dono da venda, o dono da fábrica, o político, o médico, o pai do amigo, o vizinho. Estima-se que os descendentes de libaneses e sírios somem 7 milhões de pessoas. São 4% da população brasileira, mas estão em todo canto. A Embaixada do Líbano no Brasil garante que há pelo menos um representante da colônia em cada um dos mais de 5.000 municípios do país. Marcam presença em todas as esferas da vida nacional (vejae em determinados nichos ganham um destaque especial. Na política e na medicina, a proliferação de sobrenomes árabes é tão intensa que chega a ser intrigante.

Alguns exemplos: no Congresso Nacional, instância máxima da política, dos 513 deputados, 38 têm origem libanesa ou síria, entre eles o presidente da Câmara, Michel Temer; dos 81 senadores, Pedro Simon, Paulo Ganem Souto, Artur da Távola, Ramez Tebet e Romeu Tuma têm sangue árabe correndo nas veias. Na conta final, são quase 8% dos parlamentares. Na cidade de São Paulo, onde 20% dos vereadores são da colônia, dos cinco candidatos no pelotão de frente das pesquisas para a prefeitura, três têm sobrenome árabe: Paulo Maluf (libanês), Romeu Tuma (sírio) e Geraldo Alckmin (ascendência distante). Em Mato Grosso do Sul, a contagem dos políticos de origem libanesa e síria é ainda mais impressionante. Eles são 37% dos deputados federais, 21% dos deputados estaduais e quase 30% dos vereadores da capital, Campo Grande.


A trajetória de grande parte dos imigrantes libaneses e sírios segue a trilha mascate, dono de loja de varejo, atacadista e depois, para os com mais sorte, indústria. Em busca de freguesia, eles se espalharam por todos os rincões do país. No ciclo da borracha, foram para a Amazônia. Até aos garimpeiros foram oferecer seus produtos

"Nossa representação na política chega a ser um exagero", dramatiza o senador Pedro Simon, gaúcho filho de libaneses que emigraram por volta de 1920. "É de longe a maior colônia no Congresso." Os números das grandes ondas de emigração que chegaram ao Brasil endossam a impressão. Libaneses e sírios, cerca de 130.000 ao longo de um século, entre 1872 e 1972, ocupam o sétimo lugar na classificação geral, muito longe dos italianos, portugueses e espanhóis, os campeões, e mesmo de japoneses, alemães e russos. Basta conferir qualquer lista de políticos para verificar que os nomes nipônicos ou teutônicos não pululam na mesma proporção que os árabes. Uma das explicações dessa representação política desproporcional ao contingente numérico está na própria história da trajetória dos imigrantes. O cientista social Oswaldo Truzzi, que analisa a questão no livro Patrícios: Sírios e Libaneses em São Paulo,detecta a importância de dois fatores confluentes. Primeiro, a extensa distribuição geográfica da colônia, fruto da atividade de mascate que nove em cada dez imigrantes abraçaram. Para os vendedores ambulantes, que saíam das cidades grandes com a malinha de produtos debaixo do braço, cada lugarejo representava um mercado em potencial. Se a concorrência era brava, eles se embrenhavam mais adiante. E mais ainda, sempre mais.

Um dos resultados disso: um neto de libaneses governador de Estado (e presidenciável em potencial) na ponta norte do país, Tasso Jereissati, no Ceará; um senador pelo Estado mais ao sul, Pedro Simon. A essa distribuição ramificada como um cedro do Líbano juntou-se a incrível mobilidade social da colônia, o segundo fator apontado por Truzzi. Os libaneses e sírios que começaram a desembarcar no Brasil nas últimas décadas do século XIX, vindos de regiões sob o domínio do Império Turco-Otomano (daí os passaportes turcos que provocaram a confusão), traziam na bagagem a ética do trabalho dos imigrantes, feita de gana, esforço, capacidade de enfrentar grandes sacrifícios. A ela logo acrescentavam a constatação de que, para alavancar a ascensão social em meio a uma "elite de doutores", precisavam somar o estudo ao capital. Assim que juntavam um dinheirinho, passavam a investir na educação dos filhos. A família do deputado Michel Temer é um exemplo clássico. Vindos do Líbano na década de 20, seus pais instalaram-se numa chácara em Tietê, interior de São Paulo. Na frente, a indefectível lojinha. Apenas o irmão mais velho de Temer não estudou, para ajudar o pai. Os outros quatro formaram-se em direito pela Faculdade do Largo São Francisco. O roteiro do senador Ramez Tebet foi praticamente idêntico, à exceção do cenário: criado em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, cursou direito no Rio de Janeiro, custeado pela lojinha paterna. "Tudo o que meu pai ganhou, gastou na educação dos filhos", diz o senador.

No levantamento de dados para seu trabalho sobre imigração e política, o sociólogo Truzzi ressalta o grande número de profissionais liberais filhos de imigrantes árabes, formados nas mais importantes faculdades de direito, engenharia e medicina, que depois se tornaram políticos, e a presença maciça de descendentes que entraram para o cenário da política federal e estadual a partir de carreiras iniciadas em cidades do interior. Fora dos grandes centros (com exceção de São Paulo, de forte presença árabe, onde o primeiro brasileiro da colônia foi eleito em 1930 para um cargo político: subprefeito do distrito do Ipiranga), era mais fácil furar a barreira das elites tradicionais. O avô do governador do Ceará, Aziz Jereissati, chegou a São Luís do Maranhão no início do século, vindo de uma família de ferreiros da cidade de Zahle (jarrass, que resultou no sobrenome do clã, quer dizer sino em árabe). Abriu uma loja de tecidos quando se mudou para o Ceará. Seu filho Carlos, pai de Tasso, já foi senador.

Ao contrário da de outros grandes grupos, a imigracão sírio-libanesa foi espontânea e individual. A maioria dos que aqui chegaram preferiu estabelecer-se na cidade e ganhar a vida como comerciante autônomo a ir para as lavouras do interior, como tiveram de fazer outros estrangeiros que já vinham contratados para o trabalho nas fazendas. Segundo um levantamento de 1934, 80% dos árabes viviam em centros urbanos, contra 20% no campo – exatamente o inverso dos imigrantes japoneses. O objetivo era "fazer a América": ganhar dinheiro e voltar. Acabavam ficando e trazendo o resto da família. O patrício chegava, pegava umas mercadorias em consignação, colocava na maleta e saía vendendo de porta em porta ou sobre a lona estendida na praça. Aos poucos, abria uma lojinha, um atacado, com sorte uma indústria. O comércio permitiu juntar dinheiro mais rápido e deu liberdade para depois aplicar parte dele em boas escolas para os filhos.

Ao colocarem suas quinquilharias na maleta e sair de bicicleta, no lombo do burro ou de barco pelos grotões do Brasil, os imigrantes ajudaram a povoar o país e fincaram raízes nos cantos mais remotos. O presidente americano Theodore Roosevelt conta, em suas memórias da viagem que fez pelo interior do Brasil em 1914, em companhia do marechal Rondon, que encontrou um jornal da colônia, escrito em árabe, num lugar onde não se avistava ninguém a dias de caminhada. A história da dispersão árabe pelo país coincide com etapas da História do Brasil. Houve o ciclo da borracha e lá foram eles oferecer seus produtos aos seringueiros, aos barões da borracha. O pai do cardiologista e ex-ministro da Saúde Adib Jatene abastecia com sal, batata e tecidos os seringueiros de Xapuri, no sertão do Acre, onde nasceu seu filho depois famoso. Houve o ciclo do café e lá foram os mascates para as porteiras das fazendas do interior de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, enfrentando a febre amarela e o temperamento arredio da gente do interior, vender tecidos, botões, roupas aos lavradores e seus patrões. Com o "comércio no sangue" desde gerações imemoriais, os imigrantes iam atrás de fregueses, de oportunidades. Ou mercado, como se diria hoje. Operaram uma revolução no comércio popular, com novidades como vendas a crédito, redução da margem de lucro compensada pela quantidade, alta rotatividade de estoque e promoção de liquidações.

O trabalho duro podia ser recompensado rapidamente. Miguel Estefno, avô materno do ex-governador Paulo Maluf, chegou ao Brasil em 1879. Mascateou durante quatro anos. "Foi a Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Campinas. Tudo a pé", relembrou sua filha Maria, em depoimento registrado no livro Memórias da Imigração, Libaneses e Sírios em São Paulo. Fez o percurso clássico: loja de armarinhos, atacadista de tecidos, dono de fábrica de fios. Maria já era uma jovem rica, que morava em mansão, só usava vestidos franceses e passava as férias na praia (a da Enseada, no Guarujá, litoral de São Paulo, comprada por seu pai) quando se casou com Salim Maluf, imigrante bonitão. O sogro, bem de vida, só ajudou como avalista na trajetória de sucesso que o levou de aprendiz numa fábrica de camisas a dono da maior serraria do país. A própria Maria Estefno Maluf demonstrou pendor genético para os negócios. Viúva ainda jovem, tomou gosto pelo trabalho, especialmente na área de imóveis. Deixou uma frase memorável: "Eu gostava de jóias. Mas achava que melhor do que gastar muito dinheiro em jóias era comprar propriedades".

O espírito de clã, trazido por imigrantes que tinham na aldeia o horizonte máximo, beneficiou a comunidade. A rede de favorecimentos começava na acolhida aos recém-chegados e se estendia depois até as relações entre industriais e grandes comerciantes, com facilidades de crédito e de fornecimento. Os mascates, em geral, abasteciam-se com patrícios, comerciantes que já haviam passado pela fase da maleta debaixo do braço e conseguiram abrir uma lojinha. A regra era dar uma força. Com limites, porém. Pois, como diz um provérbio da colônia: "Todo libanês é brimo até a brimeira falência". Essa rede perdurou também para facilitar a entrada em massa da segunda geração no mercado das profissões liberais e, em certo grau, para o ingresso na política. "Na atividade política, muitos cidadãos de origem síria ou libanesa encontraram um canal de mobilidade social", escreveu o americano Clark Knowlton, autor de um importante estudo sobre a imigração árabe no Brasil. "Outros foram forçados a entrar na política para proteger e promover seus interesses comerciais e industriais. Algumas famílias ricas adquiriram o direito de incluir seus filhos e sobrinhos em listas de candidatos pelo prestígio que um posto na política dá na colônia." Jamil Murad, deputado estadual paulista pelo Partido Comunista do Brasil há três mandatos, acredita que a preponderância de políticos árabes nos partidos de direita, ainda hoje, se explica por razão semelhante aos motivos históricos levantados por Knowlton. "Entre os descendentes políticos, há muitos profissionais liberais e empresários, o que gera uma tendência a apoiar programas que representam seus interesses", analisa.

Os primeiros a prospectar cargos políticos buscavam de certa forma dar continuidade a trajetórias familiares de ascensão social. Embora nem todos os imigrantes tenham ficado ricos, a maioria no mínimo abriu um pequeno negócio. De maneira geral, os que aportaram primeiro foram os que amealharam maior capital. As grandes fortunas das décadas de 40 e 50 eram justamente das famílias que trilharam pioneiramente o trajeto mascate-comerciante-industrial. Em 1907, das 315 firmas de donos sírios ou libaneses em São Paulo, cerca de 80% eram lojas de tecidos ou armarinhos. Em 1930, eram proprietários de 468 dos 800 estabelecimentos de tecidos e confecções, de seis das dez fábricas de camisas, de catorze das 48 fábricas de roupas brancas. Entre as décadas de 40 e 50, o número de comerciantes varejistas diminuiu, enquanto o de atacadistas dobrou e o de industriais, quintuplicou. A escritora Rose Marie Muraro conta que sua família, os Gerbara, donos de uma fábrica de seda, faturava por mês, no fim da década de 40, o equivalente em valores atualizados a 20 milhões de dólares. "Eu vivia como uma princesa, primeiro num palacete na Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo, depois em Copacabana", rememora.

Entre todas as grandes fortunas, a maior provavelmente era dos Jafet. Eles praticamente fundaram o bairro do Ipiranga, em São Paulo, onde ergueram fábricas, prédios de apartamentos para seus cerca de 2 000 operários e uma dezena de palacetes para toda a família. O primeiro deles, de Benjamin Jafet, tinha 1 500 metros quadrados de área construída. Violeta Jafet, neta de um dos pioneiros, lembra que recebeu toda a sua formação escolar sem sair de casa porque a mãe tinha medo de doenças infecto-contagiosas – ela só foi ter sarampo aos 30 anos de idade. Sua irmã Ângela cursou até o 2º ano de engenharia sem conhecer uma sala de aula. Quando casou, mudou para um dos palacetes do Ipiranga e montou num dos ambientes uma sala igual à de um castelo que viu na Europa, "com cortinas de veludo verde e forro todo em estuque prateado". Outra sala era cópia de uma do Palácio de Versalhes. Os Jafet, porém, não eram os únicos ricos da colônia. Em 1930, a Avenida Paulista, o endereço mais chique de São Paulo, tinha 22 casas cujos donos eram de origem árabe.

A história recente do Líbano é marcada por guerras e conflitos, fatores que pesaram na imigração de volume excepcional. O Líbano tem uma população de 3,2 milhões de habitantes e o número de libaneses e seus descendentes fora do país é de 14 milhões. Quase a metade destes no Brasil. Há presença significativa também nos Estados Unidos, Austrália, Canadá e outros países latino-americanos, onde se repete o fenômeno da marcante representação política. Num encontro internacional de parlamentares de origem libanesa que aconteceu há dois anos em Brasília, apareceram deputados e senadores de doze países, além dos anfitriões. Os Estados Unidos têm um senador e três deputados filhos de libaneses. O Equador alinha dois presidentes saídos da colônia: Abdalá Bucaram (deposto e exilado) e Jamil Mahuad. A Argentina, um filho de sírios, Carlos Menem.

De fé muçulmana, Menem converteu-se ainda jovem ao catolicismo, revelando notável capacidade de antever os fatos – quando foi eleito, a Constituição argentina ainda exigia que o presidente fosse católico. A grande maioria dos imigrantes, porém, era de cristãos: católicos maronitas ou ortodoxos. Minoritários num mar de muçulmanos, perseguidos por motivos religiosos, viram a religião funcionar a seu favor do outro lado do oceano. "Como não havia o empecilho da religião, a integração foi maior, diferente por exemplo da dos judeus", afirma Vera Cattini Mattar, uma das autoras do livro Memórias da Imigração. O fato de serem cristãos num país de católicos é citado por muitos estudiosos como uma das causas da boa aceitação que sírios e libaneses tiveram no Brasil e um dos motivos da rápida integração.

Mesmo com dificuldade em distinguir masculino e feminino e em pronunciar algumas letras, como o P e o V, que não existem no alfabeto árabe, os "brimos" logo se integraram à vida no Brasil. Para facilitar o negócio mudavam até de nome. Eram comuns as traduções, ou melhor, as livres traduções. Youssef Dau virou José da Luz; Butros Harb, Pedro Guerra; Hanna Dib, João Lobo. O sobrenome Jabarra tornou-se Gabeira. O pai do ex-ministro Adib Jatene saiu do Líbano como Abdalla, mas conquistou os seringueiros como Domingos. Quibe e esfiha viraram comida brasileira, um fast food pioneiro. O sobrenome do político mais conhecido da colônia deu origem ao brasileiríssimo verbo malufar. O fato de que, exceto numa reportagem como esta, ninguém pensaria em juntar sob o mesmo guarda-chuva personagens tão variados como os vistos nestas páginas é talvez o sinal mais ilustrativo da total integração. Até o pendor político pode ser visto sob um ângulo nacional. João Sayad, ex-ministro do Planejamento, professor de economia na Universidade de São Paulo e banqueiro, arrisca uma comparação: "Libanês tem mania de falar em público e de escrever. É uma espécie de baiano do Oriente Médio".

Mala no burro e casa na Paulista

Pai com banana, filhos com toga
A história da Paramount, a maior fabricante de fios de fibra longa da América do Sul, dona das marcas Pingouin e Lacoste, começou com um imigrante tocando um burro carregado de tecidos e dormindo em barraca. Nassib José Mattar foi mascate durante três anos. Antes da virada do século, abriu uma loja. Dois anos depois, comprou seis teares e fundou uma fábrica de seda misturada com fios de viscose, uma novidade até na Europa. Trabalhava dezoito horas por dia tendo em mente o projeto de todo imigrante: criar bem a família (sonho que o pai, morto em conflito religioso no Líbano, não realizou). Em 1922, Nassib comprou uma casa na Avenida Paulista, ponto mais nobre de São Paulo, e para lá levou os oito filhos. Todos estudaram direito ou engenharia e trabalharam com ele na tecelagem. Hoje o negócio é tocado por seu filho Fuad pai de Luiz Mattar, campeão de tênis. Nassib nunca voltou ao Líbano. Fuad nunca foi a um restaurante árabe.

O mascate Mohamad Mazloum economizava tanto que ele e a mulher almoçavam pão com banana. No início até achavam bom – banana era fruta nobre e rara no Líbano. O esforço do casal valeu a criação de uma família em que os sete filhos homens têm curso superior(foto ao lado). Quatro deles se destacam na área jurídica. "A partir dos 10 anos tínhamos de trabalhar na loja, mas sem deixar de estudar", diz Ali Mazloum, juiz federal responsável pela primeira condenação judicial de um membro da equipe do presidente Collor. Saad é promotor de Justiça e condenou Pitta e Maluf pelo imbróglio dos precatórios. Nadim, também promotor, afastou o prefeito e vereadores de Guarulhos por corrupção. Omar é procurador do Banco Central. Outros dois irmãos administram as três lojas de móveis da família. Mazloum, em árabe, significa injustiçado.

Da casa de barro ao apê na Barra

No Líbano, a família de Bassan Chedraoui tinha duas vacas que lhe davam coalhada, leite e queijo. "Sem elas, não teríamos sobrevivido", conta Bassan, que, menino, levava as vacas para pastar depois da escola. Em 1959, emigraram. Dois irmãos empregaram-se em lojas. Outros dois enchiam as malas e iam de ônibus vender mercadorias para os operários que construíam Brasília. Três anos dessa maratona renderam o capital para a abertura do primeiro estabelecimento. Hoje, os quatro irmãos são donos de lojas de roupas em Nova Iguaçu. Morador da Barra da Tijuca, ele abriu um restaurante árabe no bairro. Ficou conhecido como o Rei do Quibe.

A corrente mudou de direção

O Brasil começou a fechar a porta à imigração com a Constituição de 1934, que adotou um regime de cotas para a entrada de estrangeiros. Nos anos 50, foi criada a Carta de Chamada, pela qual o estrangeiro só recebia visto de permanência com garantia de emprego. "Hoje, a orientação do governo é para que a imigração seja seletiva, apenas para profissionais que tragam conhecimento ao país", afirma Luiz Paulo Barreto, do Ministério da Justiça. "Na prática, o que às vezes significa ilegalmente, os imigrantes que recebemos são de lugares em que a situação econômica ou política é pior que a nossa", diz a socióloga Lucia Bógus. Um exemplo é o próprio Líbano, dilacerado pela guerra civil de 1975 a 1990, o que provocou uma nova leva de imigrantes. Muçulmanos na maioria, concentram-se em Foz do Iguaçu.
Em setenta anos, contados a partir da última década do século XIX, 5 milhões de estrangeiros instalaram-se no Brasil. Hoje, a situação inverteu-se. De país tradicionalmente receptor de imigrantes, o Brasil passou a exportador. Há pouco mais de 1 milhão de estrangeiros morando aqui e entre 1,5 milhão e 2 milhões de brasileiros vivendo no exterior. Na virada do século XIX, o Brasil queria que os estrangeiros viessem. Com a abolição da escravatura em 1888, era preciso substituir o negro pelo branco como mão-de-obra para as lavouras. Havia também um projeto de "embranquecimento", coerente com as teorias raciais da época. A política de atração do governo incluía pagamento de passagens, emprego certo e até promessas de terras, nem sempre cumpridas.

Sete milhões de libaneses e descendentes vivem no Brasil

Libaneses comemoram 130 anos da emigração para o Brasil

Colônia Sírio-Libanesa no Brasil

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Você é escravo do celular?

Eles roubam nosso tempo, atrapalham os relacionamentos e podem até causar acidentes de trânsito. Quando é a hora de desligar? Faça o teste e descubra se você é viciado em celular

RAFAEL BARIFOUSE. COM ISABELLA AYUB

COMPORTAMENTO - 08/06/2012 00h00 - Atualizado em 08/06/2012 12h04

Capa Época 734 (Foto: divulgação)
 Revista Época

Estamos viciados. Em qualquer lugar, a qualquer momento do dia, não conseguimos deixar de lado o objeto de nossa dependência. Dormimos ao lado dele, acordamos com ele, o levamos para o banheiro e para o café da manhã – e, se, por enorme azar, o esquecemos em casa ao sair, voltamos correndo. Somos incapazes de ficar mais de um minuto sem olhar para ele. É através dele que nos conectamos com o mundo, com os amigos, com o trabalho. Sabemos da vida de todos e informamos a todos o que acontece por meio dele. Os neurocientistas dizem que ele nos fornece pequenos estímulos prazerosos dos quais nos tornamos dependentes. Somos 21 milhões – número de brasileiros com mais de 15 anos que têm smartphones, os celulares que fazem muito mais que falar. Com eles, trocamos e-mails, usamos programas de GPS e navegamos em redes sociais. O tempo todo. Observe a seu redor. Em qualquer situação, as pessoas param, olham a tela do celular, dedilham uma mensagem. Enquanto conversam. Enquanto namoram. Enquanto participam de uma reunião. E – pior de tudo – até mesmo enquanto dirigem.
“É uma dependência difícil de eliminar”, diz o psiquiatra americano David Greenfield, diretor do Centro para Tratamento de Vício em Internet e Tecnologia, na cidade de West Hartford. “Nosso cérebro se acostuma a receber essas novidades constantemente e passa a procurar por elas a todo instante.” O pai de todos os vícios, claro, é o Facebook, maior rede social do mundo, onde publicamos notícias sobre nós mesmos como se alimentássemos um grande jornal coletivo sobre a vida cotidiana. Depois dele, novas redes foram criadas e apertaram o nó da dependência. Programas de troca de fotos como o Instagram conectam milhões de pessoas por meio das imagens feitas pelas câmeras cada vez mais potentes dos celulares. Os aplicativos de trocas de mensagem, como o Whatsapp, promovem bate-papos escritos que se assemelham a uma conversa na mesa do bar. O final dessa história pode ser dramático. Interagir com o aparelho – e com centenas de amigos escondidos sob a tela de cristal – tornou-se para alguns uma compulsão tão violenta que pode colocar a própria vida em risco. 
Na reportagem de capa da edição que chega às bancas e ao seu tablet (baixe o aplicativo) nesta sexta-feira (8), ÉPOCA se debruça sobre o onipresente universo dos smartphones. Antes restritos à voz, os celulares inteligentes se transformaram em computadores portáteis que carregamos no bolso, às vezes sem nos dar conta de que dentro deles estão nosso círculo de amigos, nosso trabalho, nossas lembranças e – sobretudo – nossa disposição em responder a qualquer interrupção. Ele toca, vibra ou faz apenas aquele inconfundível ruído de chegada de uma nova mensagem – e pronto! Lá estamos nós digitando no meio da reunião, da aula, do almoço, do encontro amoroso, quando não em situações arriscadíssimas como o volante ou a mesa de cirurgia.
Ninguém defenderá a volta a um mundo antigo, sem os confortos do mundo digital – até porque, de um ponto de vista puramente pragmático, isso é impossível. Mas é inegável que as novas tecnologias despertam novos padrões de comportamento e exigem profundas mudanças de hábito, para que cada indivíduo aprenda a conviver com elas de modo saudável. Os smartphones se tornaram ferramentas essenciais para a agilidade e a presteza, hoje tão necessárias para garantir os níveis de produtividade exigidos na economia moderna. Mas não podemos nos tornar escravos deles. É preciso saber a hora de desligar. E fazê-lo sem medo, sem sentimento de culpa e com a certeza de que somos nós – seres humanos – que devemos comandar as máquinas. E não o contrário.
Teste avalia se você é viciado em celular: 9 perguntas (clique aqui)


quarta-feira, 16 de maio de 2012

Invasão de computadores torna-se crime no Brasil


Câmara aprova projeto que torna crime invasão de computadores

Texto aprovado prevê prisão de três meses a um ano para quem usar de forma indevida a Internet

15 de maio de 2012 | 20h 45                                                                                                             
Denise Madueño - O Estado de S.Paulo
Estimulados pelo episódio envolvendo a atriz Carolina Dieckmann, os deputados aprovaram nesta terça-feira, 15, projeto tornando crime invasão de computadores, violação de senhas, obtenção de dados sem autorização, a ação de hackers e a clonagem de cartão de crédito ou de débito - os chamados cybercrimes. Fotos da atriz nua foram furtadas e vazadas na Internet e teriam chegado a sites pornográficos.
"O projeto criminaliza o uso indevido da Internet. Ele vai permitir punir atos como os que atingiram Carolina Dieckmann. O projeto vai produzir uma transformação importante no uso da Internet no Brasil", comemorou o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Ele comandou uma votação relâmpago, que durou menos de cinco minutos, surpreendendo os autores e relatores do projeto, que ainda discutiam algumas pequenas alterações no texto. O projeto segue para votação no Senado.
"O crime de phishing, que teria acontecido com a atriz, será punido no nosso projeto", afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos autores da proposta aprovada. O chamado phishing é o envio de mensagens de spam contendo links para sites falsos que, ao serem acessados, baixam programas no computador alheio, permitindo devassar dados.
O texto aprovado prevê prisão de três meses a um ano para quem "devassar dispositivo informático alheio, conectado ou não a rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo, instalar vulnerabilidades ou obter vantagem ilícita".
A mesma pena é aplicada para quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde programa de computador com o intuito de permitir a invasão de computador alheio. A pena será maior - prisão de seis meses a dois anos - se a invasão resultar em obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais e industriais e informações sigilosas. A pena aumenta de um terço à metade se o crime for praticado contra os presidentes dos três Poderes nos três níveis - federal, estadual e municipal. No caso de falsificação de documentos, como cartão de crédito e de débito, a pena é de prisão de um a cinco anos e multa.
O deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor de outro projeto tratando de crimes da internet reclamou. Ele queria que o texto de sua autoria, tramitando na Comissão de Ciência e Tecnologia, fosse votado primeiro. "Há pressão para votar por causa da Carolina Dieckmann. É uma vaidade política querer aprovar esse projeto (o do deputado Paulo Teixeira). O governo quer mostrar ação, mas de uma maneira ineficaz", disse Azeredo. O projeto do tucano é polêmico e abre brecha para punir ações cotidianas e corriqueiras de usuários da rede de computadores.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O português em Macau

Um cérebro, duas línguas

21 / FEVEREIRO / 2012 - por Inês Santinhos Gonçalves

Que língua é a nossa? A que falam os nossos pais ou a do país onde vivemos? Pertence-nos mais uma que as outras? Em Macau multiplicam-se os bilingues e tudo indica que isso é bom: para a RAEM e para o cérebro de quem cá mora. Hoje é o Dia Internacional da Língua Materna.
Amélia Pan nunca saiu da China. Não tem família portuguesa e os primeiros amigos lusófonos surgiram só em 2007, quando começou a estudar a língua. De Qingdao, terra natal, foi para a Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim. No ano passado chegou a Macau e, apenas cinco anos depois de aprender as primeiras palavras em português, a jovem de 23 anos tornou-se tradutora do Tribunal de Última Instância.
O facto de ter aprendido a língua em idade adulta faz com que Amélia não possa ser considerada bilingue. No entanto, não se pode dizer que não tenha compensado o tempo perdido: além de ter vários amigos portugueses com quem mantém uma conversa fluente e animada, a tradutora conhece a maioria das expressões idiomáticas e ditados populares, é fã dos Deolinda e domina mais linguagem jurídica que a generalidade da população lusófona. E como se não bastasse, frequenta o mestrado em Língua e Cultura Portuguesa na Universidade de Macau.
Além do mandarim e do português, Amélia fala ainda inglês e, desde que chegou ao território, tem vindo a melhorar significativamente o seu cantonês. Desde que as línguas tomaram um lugar central na sua vida, admite sentir maior destreza mental e memória mais aguçada, mas, confessa, também “o dobro do cansaço” ao fim de um dia embrenhada em tradução de linguagem jurídica, com a qual sente ainda não ter suficiente familiaridade.
O à-vontade com o idioma não surgiu sem esforço. Começaram por ser mais de 20 horas semanais de português na universidade, com aulas de leitura extensiva e laboratórios linguísticos. “No início achei muito difícil porque as duas línguas são muito distantes”, conta.
Sendo que o pensamento é estruturado pela linguagem, a passagem de um modelo chinês para um de matriz latina pode gerar dificuldades. Apesar de a gramática chinesa ser relativamente fácil, o sistema de escrita é logográfico, ou seja, os grafemas (sílabas) são logogramas (símbolos) que denotam palavras ou morfemas (unidades gramaticais). Os logogramas não transcrevem os sons da fala, mas significados, e cada grafema pode ser pronunciado de uma forma completamente diferente de acordo com o dialecto.
Amélia simplifica a explicação: “Em chinês não temos muitas orações nem frases complexas. Às vezes tenho a sensação que os portugueses falam ao contrário. Por exemplo, ‘quem é ela?’. Em chinês, se fizer uma tradução literal, seria ‘ela é quem?’.
Estes desafios parecem, no entanto, ter sido ultrapassados e a tradutora conta como agora pensa “em duas línguas simultaneamente”. “Às vezes quando estou a falar com uma pessoa, seja em chinês, seja em português, inconscientemente penso nas duas línguas. Por vezes penso que tenho sono e faço-o em português”, revela.
Casimiro Pinto, tradutor e intérprete há mais de 20 anos, cresceu bilingue mas até começar a estudar para a profissão não conhecia “nem um caracter de cantonês”. Hoje trabalha para o Comissariado Contra a Corrupção.
Casimiro reforça a ideia de Amélia: “É tudo trocado, o sujeito e o predicado. A grande dificuldade na tradução simultânea tem que ver com isso, com as ordens gramaticais. Muitas vezes tem de se começar pelo fim. Por exemplo, ‘onde vais?’ em cantonês é ‘vais para onde?’.
“Sinto, na minha própria experiência, que realmente há uma vantagem, uma reacção mais imediata. Estou há muitos anos na interpretação simultânea. A tradução pode ser feita com calma, mas o simultâneo tem de ser logo, isso realmente ajuda uma pessoa a raciocinar com mais rapidez”, descreve.
Cérebro eficiente
A memória, rapidez de raciocínio e capacidade de multitasking que Amélia e Casimiro descrevem não são fruto do acaso. Elle Bialystok, especialista em neurociência cognitiva, investiga os efeitos do bilinguismo há cerca de 40 anos. Em 2010, a pesquisa valeu-lhe um prémio de 100 mil dólares, ao vencer o Killam Prize. A sua tese é a de que os bilingues têm maior capacidade de separar o joio do trigo no que toca a informação.
“Se usar regularmente duas línguas, o sistema cerebral funciona de tal forma que, de cada vez que fala, os dois idiomas surgem e o sistema de controlo executivo tem de analisar tudo e seleccionar o que é mais relevante para o momento. Os bilingues usam mais o sistema e é esse uso regular que torna os seus sistemas mais eficientes”, explicou Bialystok numa entrevista ao New York Times.
A cientista verificou que os bilingues são melhores a executar várias tarefas ao mesmo tempo e até nos testes não-verbais se destacam em relação aos falantes de uma só língua. O cérebro, explica na mesma entrevista, assume um funcionamento diferente. E se margem houvesse para dúvidas, Bialystok afirma: “O bilinguismo faz bem. Torna o cérebro mais forte. É exercício para o cérebro” – mesmo quando a segunda língua não é aprendida na infância, desde que seja utilizada de forma muito regular.
Além destas vantagens ao nível da saúde, a investigadora salienta que aprender línguas é, acima de tudo, importante porque “ajuda-nos a compreender o outro, outras culturas, outras formas de pensar”.
Amélia concorda. Em Macau a generalidade dos portugueses fala inglês, mas a tradutora acredita que o facto de falar português conta a seu favor na altura de fazer amigos: “Para desenvolver uma amizade precisamos de ter o coração aberto. Se precisamos de comunicar numa língua que não é a nossa, temos de fazer um esforço e muitas pessoas não se dão ao trabalho de fazer isso”.
A língua, salienta, “também é cultura” e serve para perceber “a mentalidade dos portugueses”. Que mentalidade é essa? A jovem ri-se: “Simpáticos, abertos e, peço imensa desculpa, por vezes preguiçosos. Sentem que a vida deve ser desfrutada. Nós, os chineses, temos uma noção clara de que para chegar à felicidade precisamos de fazer um imenso sacrifício”.
O Alzheimer chega mais tarde
A grande descoberta de Elle Bialystok durante a sua pesquisa sobre os benefícios do bilinguismo foi a de que este atrasa significativamente os sintomas do Alzheimer. De acordo com testes feitos em 400 pessoas com a doença neurológica, a patologia surge cinco a seis anos mais tarde em quem assume como sua mais de uma língua. Ao comparar o cérebro de doentes com exactamente os mesmos sinais de danos cognitivos, Bialystok verificou que os bilingues tinham danos muito mais vastos, ou seja, a doença tinha progredido mais, mas os idosos demonstravam maior capacidade de lidar com ela.
Macaenses mais longe do português
Não se sabe ao certo quantos bilingues ou trilingues existem em Macau, mas Casimiro Pinto sente que o número tem vindo a aumentar. Nota, no entanto, uma tendência curiosa: os macaenses, tradicionalmente próximos do português, estão a colocar os filhos em escolas inglesas, enquanto os chineses do Continente insistem na aprendizagem do português. “Não podemos deixar, daqui a uma geração ou duas vamos perder a capacidade de domínio da nossa própria língua”, diz o macaense. Ainda assim, o tradutor acredita que o Governo está a conseguir passar eficazmente a mensagem de que o bilinguismo é a grande vantagem de Macau, por permitir que o território funcione como plataforma entre a China e os países lusófonos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Marchinhas de Carnaval

SÃO PAULO - Você conhece alguma marchinha de Carnaval? Elas podem até ter caído no esquecimento, mas antigamente ocupavam o lugar do atual samba enredo.
Com letras divertidas e refrões fáceis de decorar, elas fizeram a alegria de muitos foliões. Surpreenda-se ao descobrir quantas letras você conhece.
Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Eu sou da lira não posso negar
Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Rosa de ouro é que vai ganhar
Rosa de ouro é que vai ganhar
Essa foi a primeira marchinha da história do Carnaval brasileiro e animou os bailes cariocas por três anos consecutivos. Foi composta por Chiquinha Gonzaga para o cordão carnavalesco Rosas de Ouro. Vale lembrar que Chiquinha foi a primeira mulher a tocar em uma orquestra brasileira. Ela foi retratada na telinha pela atriz Regina Duarte (foto acima), em minissérie que levou o mesmo nome da compositora.

A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás!
A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás!
Ele tentou mais uma empinadinha
A pipa não deu nenhuma subidinha
Ele tentou mais uma empinadinha
A pipa não deu nenhuma subidinha
A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô foi passado pra trás!
Esta foi composta por Manoel Ferreira e Ruth Amaral na década de 80. Muita gente credita “A Pipa do Vovô” a Sílvio Santos. Mas na verdade ele é responsável apenas por popularizar a marchinha em sua voz.
Maria Sapatão
Sapatão, Sapatão
De dia é Maria
De noite é João
O sapatão está na moda
O mundo aplaudiu
É um barato
É um sucesso
Dentro e fora do Brasil
Quem nunca ouviu ao menos o refrão desta marchinha? Ela foi popularizada pela voz do eterno Chacrinha. Foi composta por ele na companhia de João Roberto Kelly, em 1950.

Chiquita bacana lá da Martinica
Se veste com uma casca de banana nanica
Não usa vestido, não usa calção
Inverno pra ela é pleno verão
Existencialista com toda razão
Só faz o que manda o seu coração
Foi sensação em vários Carnavais. Composta por Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha, em 1948, esta marchinha inspirou os versos de “A Filha da Chiquita Bacana”, música de Caetano Veloso.

O teu cabelo não nega mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega mulata
Mulata eu quero o teu amor
Tens um sabor bem do Brasil
Tens a alma cor de anil
Mulata mulatinha meu amor
Fui nomeado teu tenente interventor
Quem te inventou meu pancadão
Teve uma consagração
A lua te invejando faz careta
Porque mulata tu não és deste planeta
Quando meu bem vieste a terra
Portugal declarou guerra
À concorrência então foi colossal
Vasco da Gama contra o batalhão naval
Foi a sensação do Carnaval de 1932 e explodiu nas Avenidas. A letra original foi criada pela dupla pernambucana João e Raul Valença, mas o toque carioca veio de Lamartine Babo, que fez da música uma excepcional homenagem para a mulher negra brasileira. Uma curiosidade é que na época da ditadura as letras de Lamartine foram censuradas pelo Estado Novo de Getúlio Vargas.

"Aurora
Se você fosse sincera
Ô Aurora
Veja só que bom que era
Ô Aurora 
Um lindo apartamento
Com porteiro e elevador
E ar refrigerado
Para os dias de calor
Madame antes do nome
Você teria agora
Ô Aurora
Acredite. Esta marchinha foi criada em apenas um dia, porém, ganhou os Carnavais da época e ainda permanece viva em muitas memórias. Foi composta em uma quarta-feira de cinzas, por Mario Lago e Roberto Roberti, em 1941.

Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar!
Dá a chupeta, dá a chupeta, ai, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebê não chorar!
Dorme filhinho do meu coração
Pega a mamadeira em vem entra no meu cordão
Eu tenho uma irmã que se chama Ana
De piscar o olho já ficou sem a pestana
Eu olho as pequenas, mas daquele jeito
E tenho muita pena não ser criança de peito
Eu tenho uma irmã que é fenomenal
Ela é da bossa e o marido é um boçal
Foi gravada em 1937, mas só ficou conhecida em 1941, após ser regravada pela diva Carmem Miranda. A composição é de Jararaca e Vicente Paiva. Vale lembrar que ao ser que levada por Carmem Miranda aos Estados Unidos, esta marchinha chegou a ser gravada por Bill Crosby, que até hoje é considerado um dos maiores cantores populares do século XX.
Yes, nós temos bananas
Bananas pra dar e vender
Banana menina tem vitamina
Banana engorda e faz crescer
Vai para a França o café, pois é
Para o Japão o algodão, pois não
Pro mundo inteiro, homem ou mulher
A música original nasceu da contraditória frase "Yes, we have no bananas", pronunciada por um grego sem a menor familiaridade com o inglês. Quinze anos mais tarde, os compositores Braguinha e Alberto Ribeiro fizeram a marchinha carnavalesca "Yes, Nós Temos Bananas”, como uma sátira aos próprios americanos. Uma forma super divertida de mostrar que “nada se cria, tudo se copia”.
Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é
Será que ele é
Será que ele é bossa nova
Será que ele é Mané
Parece que é transviado
Mas isso eu não sei se ele é
Corta o cabelo dele!
Corta o cabelo dele!
Esta aqui nasceu como uma sátira aos homens que usavam cabelo comprido na década de 60. Nesta época o estilo ainda não havia sido muito bem aceito e a letra de João Roberto Kelly transformou a nova moda em diversão.
Ei, você aí!
Me dá um dinheiro aí!
Me dá um dinheiro aí! 
Não vai dar?
Não vai dar não?
Você vai ver a grande confusão
Que eu vou fazer bebendo até cair
Me dá me dá me dá, ô!
Me dá um dinheiro aí!
Esta dispensa comentários, pois vira e mexe, seu refrão reaparece em alguma brincadeira. A marchinha se tornou um hino no Carnaval de 1960 e foi popularizada na voz de Moacir Franco. Foi composta por Ivan, Homero e Glauco Ferreira, em 1959.
As águas vão rolar
Garrafa cheia eu não quero ver sobrar
Eu passo mão na saca saca saca rolha
E bebo até me afogar
Deixa as águas rolar
Se a polícia por isso me prender
Mas na última hora me soltar
Eu pego o saca saca saca rolha
Ninguém me agarra ninguém me agarra
Esta aqui ganhou as ruas no Carnaval de 1954 e conquistou o prêmio do concurso de músicas carnavalescas. A curiosidade está no nome casal Zé da Zilda e Zilda do Zé, que compuseram a música em parceria com Waldir Machado. Com um nome assim, só podia dar samba, não é? 

Sassassaricando
Todo mundo leva a vida no arame
Sassassaricando
A viúva o brotinho e a madame
O velho na porta da Colombo
É um assombro
Sassaricando
Quem não tem seu sassarico
Sassarica mesmo só
Porque sem sassaricar
Esta letra é um marco entre as marchinhas e foi composta para uma peça de teatro em 1952. A música surpreendeu de tal forma, que mudou o nome da peça de “Jabaculê de Penacho”, para “Eu Quero Sassaricar”. A coisa ficou tão boa que virou até novela. Em 1988, a Globo exibiu uma adaptação da peça “Sassaricando” para a TV, que contou com a participação da atriz Claudia Raia. E a marchinha, é claro, foi música tema da novela. Foi regravada por ninguém menos que Rita Lee. 
Cidade Maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa
Coração do meu Brasil
Cidade Maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa
Coração do meu Brasil
Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n'alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Jardim florido de amor e saudade
Esta “princesa” entre as marchinhas foi composta por André Filho, em 1935, e após 30 anos foi escolhida como hino oficial do Rio de Janeiro. É quase um clássico da música popular brasileira. Esta marchinha é tradicionalmente tocada no fim dos bailes carnavalescos para anunciar que a festa está próxima de acabar. 
Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do ribeirão
Pode me faltar tudo na vida
Arroz feijão e pão
Pode me faltar manteiga
E tudo mais não faz falta não
Pode me faltar o amor
Há, há, há, há!
Isto até acho graça
Só não quero que me falte
A danada da cachaça
Você é um daqueles foliões que fazem de tudo um bom motivo para levantar o copo? Eis aqui a marchinha que lhe dedicamos neste Carnaval. Composta por Mirabeau Pinheiro esta letra foi sucesso no Carnaval de 1953. Não se pode negar que ela é um verdadeiro melô para os beberrões de plantão. E se fosse escrita nos dias de hoje teria o bordão: “Se beber não dirija”.